Páginas

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

NASCER DE NOVO! Carlos Drummond de Andrade



NASCER DE NOVO

Nascer: findou o sono das entranhas.
Surge o concreto, a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver sem alma, no regaço do cofre maternal, sombrio e cálido.
Agora, na revelação frontal do dia, a consciência do limite, o nervo exposto dos problemas.

Sondamos, inquirimos sem resposta:
Nada se ajusta, deste lado, à placidez do outro?
É tudo guerra, dúvida no exílio?
O incerto e suas lajes criptográficas?
Viver é torturar-se, consumir-se à míngua de qualquer razão de vida?

Eis que um segundo nascimento, não adivinhado, sem anúncio, resgata o sofrimento do primeiro, e o tempo se redoura.
Amor, este o seu nome.
Amor, a descoberta de sentido, no absurdo de existir.
O real veste nova realidade, a linguagem encontra seu motivo, até mesmo nos lances de silêncio.

A explicação rompe das nuvens, das águas, das mais vagas circunstâncias:
Não sou Eu, sou o Outro que em mim procurava seu destino.
Em outro alguém estou nascendo.
A minha festa, o meu nascer poreja a cada instante em cada gesto meu que se reduz a ser retrato, espelho, semelhança de gesto alheio aberto em rosa.


Carlos Drummond de Andrade

Nenhum comentário:

Postar um comentário